O ensino de engenharia está em crise. Segundo levantamento recente do Ministério de Ciência em Tecnologia, “todos os anos, cerca de 320 mil estudantes se matriculam em cursos de engenharias no país. Desse total, 34 mil, ou seja, pouco mais de 10%, chegam ao final da graduação.”. O Ministério e as associações vinculadas ao ensino de engenharia querem achar uma explicação, e propor remédios. Mas não é preciso “queimar muito fosfato” para saber quais são essas causas.
1. O curso é considerado muito difícil e longo pelos alunos, até mesmo em universidades de ponta, como a UNICAMP, onde desistências médias de 20% nas engenharias são verificadas. Cursos “difíceis” são cada vez mais evitados pelos alunos brasileiros, que acorrem em massa a cursos considerados mais fáceis e mais curtos, como humanas e biológicas.
2. A base matemática dos alunos que chegam do ensino médio é cada vez mais precária. Infelizmente muitos alunos não sabem que engenharia é um curso de matemática aplicada, basicamente. Mesmo os bons alunos de matemática são derrubados por Cálculo I e II, já no primeiro ano.
3. O problema é agravado pelas escolas particulares de engenharia, que estão baixando cada vez os níveis de exigência dos vestibulares, no afã de preencher vagas ociosas (se você souber somar 2 mais 2 sem errar, passa tranqüilo em muitos cursos de engenharia), e recebendo alunos sem a menor condição de fazer o curso. Soube de inúmeros casos de ex-pedreiros que fizeram o supletivo e entraram em engenharia, iludindo-se, ou sendo iludidos, que um dia serão engenheiros. Não é à toa que a desistência é fenomenal.
4. A maioria dos cursos tradicionais de engenharia dá muita teoria e pouca formação prática, que é a demandada pelo mercado de trabalho imediato. Assim, os estudantes acabam preferindo cursos mais úteis para sua empregabilidade imediata, inclusive os cursos tecnológicos de curta duração (2 anos), que estão em alta.
5. A oferta de emprego e os salários iniciais em engenharia são francamente patéticos, para valer a pena enfrentar 5 a 6 anos de estudo difícil. Um engenheiro recém formado ganha 1.500 reais, mesmo com as empresas reclamando que não acham gente talentosa. Porque não tornam os salários mais atrativos, então?
Nota: fui professor de engenharia biomédica da UNICAMP, e pai de dois engenheiros formados pela mesma universidade. Acho que conheço razoavelmente o problema.
Um reitor de uma das maiores universidades particulares brasileiras queixou-se comigo que, apesar de fazer enormes investimentos na infraestrutura dos seus cursos de engenharia e na qualificação dos professores, eles continuam tirando nota 1 (a pior) nos exames de avaliação do MEC. Diz não entender o por quê. Realmente, não são essas duas medidas que vão diminuir a evasão dos cursos de engenharia, se os alunos ingressantes continuarem sendo intelectualmente despreparados e sem vocação. Ai cria-se um curso vicioso para as instituições de ensino superior privado:
Seleção mais rigorosa dos alunos -> classes menores –> maiores valores de mensalidades –> menos alunos inscritos
Isso leva à inviabilidade financeira da maioria dos cursos de engenharia, sem contar os gastos maiores por conta da necessidade de laboratórios e bons professores.
Conclusão: o ensino de engenharia no Brasil deve ser bancado pelas universidades públicas, gratuitas e de qualidade.Alguém duvida?
O Brasil jamais será um pais avançado tecnologicamente e competitivo mundialmente se não tiver engenheiros de alta qualidade e em número suficiente. Nossos concorrentes no grupo BRIC formam mais engenheiros do que nós. A China forma 350.000 bacharéis em engenharia por ano (cursos de 4 ou 5 anos de duração), a Russia 215.000, e a India 130,000. Mesmo os EUA, que apresentam um enorme déficit de engenheiros, forma 137.000 por ano (e contrata os que faltam entre os formados na India, China e Russia…). As populações são muito diferentes, então se calcularmos o número de graduados em engenharia por 100.000 habitantes, teremos 1,6 para a Russia, 0.43 para os EUA, 0.27 para a China, e 0.10 para a India, comparados com 0.18 no Brasil. Mas o número absoluto de engenheiros também é importante.
Realmente é preocupante…
Para Saber Mais
- Associação Brasileira de Ensino da Engenharia (ABENGE)
- MCT discute medidas para reduzir evasão em cursos de engenharia. Notícias MCT.
- Does the USA has an engineering gap? CSMonitor
8 users comentários para " Engenheiros de menos "
Assine RSS dos comentarios ou faça um TrackbackProf. Renato, gostei do olhar sobre a Educação brasileira dado pelo senhor. Fui professora em sala de aula de ensino funfamental e médio por 20 anos.Hoje estou atuando na Secretaria de Educação do estado em MT,com jovens em uma Coordenadoria de Programas e Projetos dentro da Superintêdencia de Educação Básica, com os seguintes projetos sob a minha responsabilidade: Grêmios Estudantis,Saúde e Prevenção nas Escolas e participo de um Comitê formado por 13 Secretarias de Estado para a construção das Políticas para a Juventude. Além de todos os fatos que o senhor observou, estou tendo uma preocupação com duas coisas que acho, não tinha me alertado antes e a identifiquei neste ano,participando das Conferências Regionais em 18 polos do Estado e da Estadual da Juventude. Quando falamos em capacitação e formação de professores, pensamos em uma situação bem diferente da que está ocorrendo,pois supomos um profissional que se capacita para mudar seu comportamento e através do mesmo mudar o seu entorno com ações e atitudes, certo? Mas estamos vendo apenas uma terapia que o profissional faz, a custa de recursos públicos,pois pagamos tudo hospedagem,alimentação e traslados em alguns dias em cursos e o que traz de volta é um papel apenas para seus pontos no currículo e nada de mudança de comportamento próprio e nem de metodologias motivacionais que estímulam os jovens a se posicionarem na vida, poderem visualizar novas escolhas, novos conhecimentos, atualidades e assim por diante.Certo que temos excessões!
As novas diretrizes do Ministério em busca de mudanças não são contempladas na prática e sim só no papel,esta aí o Ideb e o ENEM,para comprovarem.As escolas particulares são empresas que fazem dos jovens nada mais que máquinas de estudos para se promoverem e cada vez mais terem sua empresa em destaque!
O segundo item que observei é que não está havendo para a maioria dos jovens interesses a serem conquistados. Tudo está aberto e sem motivação. Para que procurar algo difícil se tudo pode, todos temos direitos e nada pode,depende de como, onde e com quem estou. A mídia e a falta de posicionamento dos adultos e não falo de pais e sim todos os adultos, está deixando o jovems sem perspectiva nenhum de futuro.Tudo é nada e nada ou muito pouco é tudo!Parece que papel é uma parte do tudo,mas sem compromisso com nada e nem com niguem!
Estou muito preocupada! Como mudar este momento deles que é único.
Ser jovem é só uma vez e tudo que somos hoje enquanto adulto é puramente resultado de uma juventude bem ou mal construída.
Dependerá das mãos de quem nos levou ou nos está levando!!!!!
Onde está nossa consciência? Nosso compromisso com o futuro?
Angelica
Cara Profa. Angélica, muito obrigado pelos seus comentários. Muito triste esta situação dos alunos jovens atualmente, ela está ocorrendo mesmo, é a constatação de muitos dos meus correspondentes. Acho que a escola está muito desmotivadora, pois os professores só pensam em passar (muitas vezes, mal) o conteúdo. Os mestres precisam inspirar projetos de vida em seus alunos, dar exemplos, e não ficar reclamando do salário e faltando. Além disso a escola é tecnologicamente obsoleta, os alunos encontram coisas muito mais interessantes fora da escola do que dentro. Acredito que os professores têm uma parte da culpa (não toda, claro, pois a má-educação familiar e a ausência dos pais cobra o seu tributo…), inclusive por não serem cobrados dos resultados dos cursos de capacitação e aperfeiçoamento que fazem.
Prof. Sabbatini
Acho engraço que as escolas particulares hoje em dia, mesmos as ditas “boas”, são meras treinadoras para o vestibular. Não há uma preocupação muito grande na formação do aluno, foca-se apenas em garantir que um número maior de alunos da escola irá passar no vestibular de boas universidades. Fico preocupado com o rumo que nossa educação toma.
Um dado interessante recente: eu soube que a India forma na realidade 500 mil engenheiros por ano (eles também dão status de engenheiro para os cursos mais curtos e mais práticos). Comparem esse numero com os nossos 40 mil, aproximadamente, e teremos a explicação por que a India está tão à frente em ciências exatas puras e aplicadas em relação aos demais paises em desenvolvimento.
Fiz engenharia da computação. Observei que durante os 5 anos do curso o conteúdo aplicado poderia ser melhor direcionado, o que proporcionaria menos tempo e maior foco na formação e preparo do profissional para o mercado de trabalho.
Fiz duas pós e tenho 5 certificações. O conhecimento que aplico no meu dia-a-dia pouco confere com o que aprendi na universidade. Acho que o curso precisa de mais foco, tipo cursos tecnólogos, ter mais direção! Não adianta querer ensinar eletrônica, elétrica, física de forma tão profunda (ainda que não seja tão profunda) e não direcionar a área de atuação. Hoje um engenheiro de computação se não fizer uma pós, ou alguns cursos por fora para aperfeiçoar o conhecimento em INFORMÁTICA, ele fatalmente irá receber o salário dito pelo professor acima. Não tem conhecimento suficiente. Sai da universidade deficiente.
Existe um vício em formar todo engenheiro em ‘elétrica, civil ou mecânica’. É preciso foco! Critico gravemente o tipo de ensino aplicado no meu curso e na maioria dos cursos de engenharia. Tem que desvincular dessas três classes de engenharias, as ‘primogênitas’, para cada área da engenharia ganhar vida própria, ensino direcionado para a realidade de cada formação. É isso!
Cristiano, seus comentários são extremamente relevantes, obrigado pela contribuição ao debate. Esse abismo entre o ensino livresco e teórico dado em muitas universidades, e as necessidades da vida prática e das empresas, existe há muito tempo no Brasil. Estou preparando um artigo sobre isso, baseado nas colocações do Prof. Richard Feynman, famoso físico prêmio Nobel, quando esteve no Brasil nos anos 50. Felizmente o molde das “engenharias primogênitas”, como você chamou de uma forma muito feliz, está começando a ser quebrado por cursos de engenharia como mecatrônica, e outros. Resta os alunos do nível médio saberem que esses cursos existem, e o que eles formam.
[...] formam juntas 30 vezes mais engenheiros e cientistas por ano do que nós. Vejam meu artigo “Engenheiros de Menos” sobre isso aqui no [...]
Atualização sobre o post:
Criado em 2011 por uma comissão formada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação, o Pró-Engenharia, projeto que prevê investimento de R$ 1,3 bilhão em cinco anos para duplicar para 104 mil o número anual de engenheiros e tecnólogos formados, está parado. Espera o aval de dois novos ministros, Aloizio Mercadante (Educação) e Marco Antônio Raupp (Ciência e Tecnologia). “Ele já poderia ter deslanchado, mas tomamos duas bolas nas costas”, reclama o presidente da Capes, Jorge Guimarães. Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,programa-federal-de-apoio-a-engenheiros-atrasa-e-capes-culpa-bolas-nas-costas,838083,0.htm#
Veja também: ENTREVISTA: ‘Precisamos de engenheiros inovadores’
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,precisamos-de-engenheiros-inovadores,838124,0.htm
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